Queiroz

Nas próximas horas, Queiroz deverá deixar de ser seleccionador nacional. Observando o campo minado que sempre pisou, só me surpreende que tenha resistido tanto tempo. Na verdade, Queiroz enfrentou permanentemente um lóbi que sempre se empenhou em precipitar a sua queda. Este grupelho - que integra ex-dirigentes ansiosos por regressar à ribalta, jornalistas que exigem beneficiar de "relações privilegiadas" com os agentes do futebol (algo que Queiroz nunca lhes deu) e treinadores medíocres rancorosos - organizou-se há muito com o único propósito de queimar o seleccionador em lume brando.

O que fez o grupelho? Lançou uma nebulosa sobre o próprio valor da selecção nacional, descrevendo-a como extraordinária, fazendo esquecer que ela já entrara em declínio desde 2006 (nos resultados e na qualidade de jogo) e desvalorizando a perda de referências máximas (Figo, Rui Costa, Pauleta). Simultaneamente, menorizou os obstáculos ("grupo fraquíssimo", com Dinamarca, Suécia e Hungria) e, neste quadro, exigiu o céu a Queiroz, embora o grupelho soubesse da insensatez de tal exigência.

Ao surgimento do primeiro mau resultado, culpou-se de imediato o seleccionador. A excelente exibição (contra a Dinamarca, em casa) pouco importou. Seguiu-se uma campanha quase diária nos jornais, antecipando uma eliminação que nunca chegou a ser provável, quanto mais inevitável. "Adeus África" tornou-se um mote e uma esperança (e uma capa de jornal, já agora). Na ausência de tal insucesso, falou-se em "milagre", nunca em mérito de Queiroz.

No Mundial, prolongou-se a cena. Grupo de novo facílimo, exigência de vitórias (gordas) e um título mundial. Ao mesmo tempo, prenunciou-se a desgraça, a humilhação, a vergonha (pois se tínhamos Queiroz...). Adiado o apedrejamento (com dois empates e um 7-0), pediu-se de novo o céu contra o campeão europeu (e futuro campeão mundial). A derrota, por 1-0 num golo fora-de-jogo, precipitou uma há muito orquestrada crucificação do técnico, sempre cobarde, sempre incompetente.

A machadada final surgiu na forma do mais kafkiano processo do futebol português, repleto de buracos e hipocrisia. Odiado por ser um "intelectual" e "falar bem demais", Queiroz acaba queimado na fogueira por ser um bruto e um mal-criado. A incoerência faz sentido: afinal de contas, Queiroz tornou-se no bode expiatório de todos os males nacionais, das bolas no poste aos frangos de Eduardo, das trapalhadas do Governo ao excesso de estrangeiros na liga portuguesa. Se Portugal ganhasse ao Chipre e à Noruega, seria "apesar de Queiroz". Perdendo, seria "por culpa de Queiroz". Ganhando, era dispensável. Perdendo, é responsável. Xeque-mate.

katanec

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